segunda-feira, novembro 25, 2013

Informe Anual Direitos Humanos Brasil 2013


Chefe de Estado Dilma Roussef

Informações gerais

A situação socioeconômica continuou a melhorar, com mais pessoas saindo da pobreza extrema. Entretanto, as moradias e as fontes de subsistência dos povos indígenas, dos trabalhadores rurais sem terras, das comunidades de pescadores e dos moradores de favelas em áreas urbanas continuaram sendo ameaçadas por projetos de desenvolvimento.

Em novembro, o Brasil foi reeleito para o Conselho de Direitos Humanos da ONU. Embora tenha criticado as violações ocorridas no conflito armado da Síria, o país absteve-se em uma resolução da Assembleia Geral que manifestava preocupação com a situação dos direitos humanos no Irã.

Em maio, a Câmara dos Deputados aprovou uma emenda constitucional que permite o confisco de terras nas quais se comprove o uso de trabalho escravo. No fim do ano, a reforma ainda aguardava aprovação do Senado.


Impunidade

Em maio de 2012, a presidente Dilma Rousseff criou a Comissão Nacional da Verdade, com mandato para investigar violações dos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. No decorrer do ano, foram realizadas investigações com base em registros, bem como audiências para colher testemunhos. Entretanto, o fato de algumas audiências terem transcorrido em segredo suscitou preocupações. O estabelecimento da Comissão Nacional da Verdade levou à criação de diversas comissões da verdade em âmbito estadual, como nos estados de Pernambuco, do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Contudo, persistiram os temores sobre a capacidade do Brasil enfrentar a impunidade por crimes contra a humanidade enquanto a Lei da Anistia de 1979 estiver em vigor. Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou que a Lei da Anistia brasileira não tinha validade jurídica.

Procuradores federais iniciaram ações penais contra integrantes dos serviços de segurança acusados de sequestro durante os governos militares (1964-1985). Os procuradores argumentaram que tais crimes são "contínuos", ou seja, ainda perduram; portanto, não estão cobertos pela Lei da Anistia.


Segurança pública

Os estados continuaram a adotar práticas policiais repressivas e discriminatórias para enfrentar a violência criminal armada, que matou dezenas de milhares de pessoas. Jovens negros do sexo masculino constituíam um número desproporcional dessas vítimas, sobretudo no Norte e Nordeste do país.

Em alguns estados, houve queda no número de mortes, geralmente decorrente de ações de segurança pública locais. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a política de implementação das Unidades de Polícia Pacificadora foi estendida para novas favelas, contribuindo para a redução dos índices de homicídio.

Em janeiro, o governo federal reduziu em quase 50 por cento o financiamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI). Apesar de o governo ter prometido implementar algumas políticas importantes para assegurar maior proteção, como, por exemplo, o Plano de Prevenção à Violência Contra a Juventude Negra, denominado “Juventude Viva”, temia-se que essas políticas carecessem de financiamento adequado.

Nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, os homicídios cometidos por policiais continuaram a ser registrados como "autos de resistência" ou "resistência seguida de morte". Apesar das evidências de que esses casos envolviam o uso de força excessiva e de que, possivelmente, seriam execuções extrajudiciais, poucos foram efetivamente investigados. Em novembro, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana aprovou uma resolução pedindo que todos os estados parassem de registrar homicídios cometidos por policiais como "autos de resistência" ou "resistência seguida de morte". A resolução pedia ainda que todos os homicídios cometidos por policiais fossem investigados, que as provas periciais fossem resguardadas e que as estatísticas sobre homicídios policiais fossem publicadas regularmente. No fim do ano, a resolução estava sob análise do governo do estado de São Paulo, com vistas a introduzir, em 2013, alterações sobre como denominar os homicídios cometidos por policiais, bem como adotar medidas de preservação das cenas de crimes.

No estado de São Paulo, o número de homicídios aumentou de forma significativa, revertendo a redução alcançada nos oito anos anteriores. Entre janeiro e setembro, foram registrados 3.539 homicídios – um aumento de 9,7 por cento com relação ao mesmo período do ano anterior. O número de homicídios cometidos por policiais também aumentou de forma acentuada: mais de 90 pessoas foram mortas somente no mês de novembro. Na visão da própria polícia, de especialistas acadêmicos e dos meios de comunicação, esse aumento deveu-se à intensificação dos confrontos entre policiais e a principal organização criminosa do estado, o Primeiro Comando da Capital (PCC). Para combater essa violência, anunciou-se uma iniciativa conjunta dos poderes federal e estadual, sob o comando do recém-designado Secretário Estadual de Segurança Pública.
Em maio, três integrantes da tropa de choque da Polícia Militar de São Paulo (ROTA) foram presos. Eles foram acusados de executar extrajudicialmente um suposto membro do PCC durante uma operação policial na Penha, zona oeste de São Paulo, nesse mesmo mês. Uma testemunha descreveu como os policiais detiveram um dos suspeitos e, depois, o espancaram e o mataram a tiros dentro de uma viatura policial.

Membros da polícia continuaram envolvidos com atividades corruptas e criminosas. No Rio de Janeiro, apesar de alguns avanços no provimento da segurança pública, as milícias (grupos criminosos formados, em parte, por agentes da lei ainda ativos ou que já deixaram a função) continuaram a dominar muitas favelas da cidade.
Em outubro, integrantes da milícia Liga da Justiça teriam feito ameaças de morte contra os proprietários de uma das empresas de vans da capital, advertindo-os que parassem de operar em quatro áreas da cidade. A suspensão deixou cerca de 210 mil pessoas sem conexão de transporte. As ameaças foram parte das tentativas do grupo de obter o controle dos serviços de transporte na zona oeste da cidade.


Tortura e condições cruéis, desumanas e degradantes

Em julho, o Subcomitê da ONU para Prevenção da Tortura manifestou preocupação com a prática generalizada da tortura e com o fato de as autoridades não assegurarem a realização de investigações e de processos judiciais efetivos. A fim de combater e prevenir a tortura, as autoridades federais e algumas autoridades estaduais recorreram a iniciativas como o Plano de Ações Integradas de Prevenção e Combate à Tortura. Para que essas iniciativas tenham êxito, é fundamental a aprovação da legislação federal que criará um Mecanismo Preventivo Nacional, conforme estabelecido no Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura. No entanto, grupos de direitos humanos manifestaram preocupação com uma alteração feita na lei para permitir que a Presidência da República tenha exclusividade na seleção dos integrantes do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Considera-se que tal disposição possa estar em conflito com o Protocolo Facultativo da ONU e com os Princípios relativos ao Estatuto das Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos ('Princípios de Paris').

O Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura elogiou o mecanismo estadual do Rio de Janeiro pela independência de sua estrutura e por seus critérios de seleção, bem como por seu mandato. Temia-se, porém, que o mecanismo não estivesse recebendo integralmente seus recursos.

O número de pessoas encarceradas continuou a aumentar. Um déficit de mais de 200 mil vagas no sistema carcerário implica em condições cruéis, desumanas e degradantes serem extremamente frequentes. No estado do Amazonas, uma visita da Anistia Internacional constatou que os detentos eram mantidos em celas fétidas, superlotadas e inseguras. Mulheres e menores eram detidos nas mesmas unidades que os homens. Houve vários relatos de tortura, tais como sufocamento com sacola plástica, espancamentos e choques elétricos. A maioria dessas denúncias envolvia policiais militares do estado.



Direito a Terra

Centenas de comunidades foram condenadas a viver em condições deploráveis porque as autoridades não garantiram seu direito à terra. Ativistas rurais e líderes comunitários foram ameaçados, atacados e assassinados. Comunidades indígenas e quilombolas corriam maiores riscos, geralmente por causa de projetos de desenvolvimento.

A publicação, em julho, pela Advocacia Geral da União, da polêmica Portaria 303 provocou protestos de povos indígenas e de ONGs em todo o Brasil. A portaria permitiria que mineradoras, projetos hidrelétricos e instalações militares se estabelecessem em terras indígenas sem o consentimento livre, prévio e informado das comunidades afetadas. No fim do ano, a portaria estava suspensa até uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

No fim de 2012, tramitava no Congresso uma proposta de emenda constitucional, a PEC 215, que transferiria a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas e quilombolas dos órgãos oficias para o Congresso Nacional. Temia-se que, se aprovada, a emenda politizasse o processo e ameaçasse proteções constitucionais.

Grandes obras de infraestrutura continuaram provocando impactos danosos sobre os povos indígenas. As iniciativas que há muito vêm sendo empreendidas para identificar e demarcar terras indígenas continuaram paralisadas.
Apesar de uma série de protestos e contestações judiciais, a construção da hidrelétrica de Belo Monte foi levada adiante. Em agosto, os trabalhos foram suspensos após um tribunal federal ter concluído que os povos indígenas não haviam sido devidamente consultados; porém, a decisão foi revogada pelo Supremo Tribunal Federal.

No estado do Mato Grosso do Sul, comunidades indígenas Guarani-Kaiowá continuaram a sofrer intimidações, violências e ameaças de remoção forçada de suas terras tradicionais.
Em agosto, depois de reocupar suas terras tradicionais no Mato Grosso do Sul, a comunidade Guarani-Kaiowá de Arroio-Korá foi atacada por pistoleiros que atearam fogo às plantações, gritaram insultos e dispararam tiros. Segundo testemunhas, os atiradores sequestraram o indígena Eduardo Pires. No fim do ano, seu paradeiro ainda era desconhecido.
Em outubro, confrontada com uma ordem de despejo, a comunidade de Pyelito Kue/Mbarakay, no Mato Grosso do Sul, divulgou uma Carta Aberta ao governo e ao judiciário brasileiros, na qual denunciava estar vivendo praticamente sob sítio, cercada por pistoleiros e sem o devido acesso a alimentos e a cuidados de saúde. Nesse mesmo mês, uma indígena da comunidade de Pyelito Kue/Mbarakay foi estuprada diversas vezes por oito pistoleiros que, logo após, interrogaram-na a respeito da comunidade. Na semana seguinte, um tribunal federal suspendeu a ordem de despejo até a conclusão de um relatório antropológico que identificaria oficialmente as terras indígenas.

Comunidades quilombolas que lutam por seus direitos constitucionais à terra continuaram a sofrer violências e ameaças de remoção forçada da parte de pistoleiros contratados por proprietários de terras. A situação continuou crítica no Maranhão, onde ao menos nove comunidades foram submetidas a intimidações violentas, e dezenas de líderes comunitários foram ameaçados de morte.
Em novembro, a comunidade de Santa Maria dos Moreiras, no município de Codó, estado do Maranhão, foi invadida por pistoleiros que atiraram contra o assentamento. O ataque foi uma das tentativas sistemáticas dos proprietários de terras locais de expulsar a comunidade, recorrendo a métodos como a destruição de plantações e ameaças de morte contra líderes comunitários.


Defensoras e defensores dos direitos humanos

Defensoras e defensores dos direitos humanos foram submetidos a ameaças e intimidações em consequência direta de seu trabalho. Os que desafiavam interesses econômicos e políticos escusos corriam maior perigo. Uma vez que o Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos ainda apresentava problemas em sua implementação, a proteção aos defensores era inconsistente.
Nilcilene Miguel de Lima, uma ativista rural do município de Lábrea, no estado do Amazonas, foi ameaçada, espancada e expulsa de sua casa em maio, depois de denunciar a extração ilegal de madeira na região. Embora tenha recebido proteção armada por meio do Programa Nacional de Proteção, Nilcilene teve que ser retirada da região quando as ameaças contra ela se intensificaram. Desde 2007, pelo menos seis trabalhadores rurais foram mortos naquela área em razão de conflitos por terra.
A ativista ambiental Laísa Santos Sampaio, do assentamento Praia Alta Piranheira, em Nova Ipixuna, no estado do Pará, continuou a receber ameaças de morte. As ameaças começaram após o assassinato de sua irmã, Maria do Espírito Santo da Silva, e de seu cunhado, José Cláudio Ribeiro da Silva, por matadores de aluguel em maio de 2011. No fim de 2012, ela ainda não havia recebido proteção, pois o Programa de Proteção não estava operante no estado.
Em Magé, no estado do Rio de Janeiro, o presidente da organização local dos pescadores, a Associação Homens e Mulheres do Mar (Ahomar), Alexandre Anderson de Souza, e sua esposa, Daize Menezes, receberam uma série de ameaças de morte. A Ahomar vem realizando uma campanha contra a construção de um complexo petroquímico na Baía da Guanabara, no estado do Rio de Janeiro. Ao fim de junho de 2012, os corpos de dois pescadores membros ativos da Ahomar, Almir Nogueira de Amorim e João Luiz Telles Penetra, foram encontrados na baía. Ambos estavam amarrados.


Direito à moradia

Em 2012, projetos de infraestrutura urbana, muitos deles em preparação para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016, resultaram na remoção forçada de diversas comunidades em todo o Brasil. As remoções foram realizadas sem que os moradores fossem informados de modo completo e oportuno sobre as propostas governamentais que afetariam suas comunidades. As autoridades tampouco estabeleceram um processo genuíno de negociação com as comunidades para estudar alternativas à remoção e, quando necessário, para oferecer a devida indenização compensatória ou moradias alternativas adequadas na mesma área. Em vez disso, as famílias foram levadas para áreas distantes em moradias inadequadas, geralmente com limitação de acesso a serviços básicos, em locais com graves problemas de segurança.
No Morro da Providência, no centro do Rio de Janeiro, 140 casas haviam sido demolidas até o fim do ano como parte de um projeto de revitalização urbana da zona portuária da capital, onde cerca de 800 casas foram selecionadas para remoção.

Algumas das comunidades removidas foram transferidas para locais distantes na zona oeste do Rio, onde muitas áreas são dominadas por milícias. Famílias que vivem em conjuntos habitacionais nos bairros do Cosmos, Realengo e Campo Grande relataram ter sido ameaçadas e hostilizadas por integrantes de milícias, sendo que muitas foram forçadas com violência a abandonar seus apartamentos.
Em janeiro, mais de seis mil pessoas foram despejadas da área conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos, no estado de São Paulo. Essas pessoas residiam no local desde 2004. Durante a ação, a polícia utilizou balas de borracha, gás lacrimogênio e cães treinados. O despejo foi executado mesmo com uma ordem judicial para que a ação fosse suspensa, enquanto o governo federal ainda negociava para encontrar uma solução que possibilitasse a permanência dos moradores. Os residentes não foram notificados com antecedência, nem tiveram tempo suficiente para retirar seus pertences de casa. As autoridades não ofereceram acomodações alternativas adequadas para os moradores e, no fim do ano, a maioria estava vivendo em condições degradantes em abrigos improvisados e em outros assentamentos irregulares.

Uma Comissão Parlamentar Municipal de Inquérito foi aberta em São Paulo para investigar os numerosos incêndios que destruíram diversas favelas, muitas delas localizadas em áreas nobres da capital. Em setembro, 1.100 pessoas ficaram desabrigadas devido a um incêndio na favela do Morro do Piolho. Em novembro, 600 moradores perderam suas casas em consequência de um incêndio que destruiu a favela de Aracati. Em julho, cerca de 400 pessoas ficaram sem teto por causa de um incêndio na favela de Humaitá. Em setembro, moradores da favela do Moinho queixaram-se de ter sido impedidos pela polícia de reconstruir suas casas depois que um incêndio destruiu a maioria das residências da comunidade.